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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Fantástico mostra que com propina que envolvia até camarão e lagosta, analfabetos compravam carteira de motorista em Mossoró


O Fantástico deste domingo, 16 de setembro,mostrou como funcionava o ‘feirão’da carteira de motorista em Mossoró. Todo mundo arrumava licença para dirgir mesmo sem saber ler ou escrever. O interessado na carteira de habilitação tinha opção de pagar a propina com peixe, camarão e lagosta!Com essa revelação a Operação Cangueiro deveria ter sido batizada de Operação Lagosta ou Operação Camarão
O pagamento de propinas a autoescolas tem permitido que analfabetos consigam ilegalmente carteiras de motorista em Mossoró, Rio Grande do Norte. Segundo reportagem do Fantástico, o pagamento nem sempre é em dinheiro vivo. Nesta semana, 11 acusados de vender habilitações foram presos.
“A gente tem que arranjar camarão, arranjar peixe”, diz um dos suspeitos nas negociações ilegais, que acontecem na antessala do chefe do Detran em Mossoró. Até lagosta servia como propina, segundo a reportagem.
Para mostrar todas as etapas desse esquema fraudulento, um policial se passou por analfabeto. O policial pagou R$ 2 mil para conseguir a habilitação. Ao entrar na autoescola, inventou uma história. Disse que o patrão dele é quem iria pagar a propina. “Ele disse: ‘se for preciso pagar, você pague’”, diz o suposto analfabeto.
A lei proíbe que analfabetos tirem habilitação. Flávia Arruda, a dona da autoescola mostrada na reportagem, garante que é possível. “Confia em mim. Não interessa. Você tá fazendo comigo”, diz Flávia. “Tá certo”, responde o policial disfarçado. Em dois meses, a habilitação ficou pronta.
Flavia Arrúda
Em Mossoró, Rio Grande do Norte, o aumento de infrações e a descoberta de motoristas que mal conseguiam escrever o nome chamaram a atenção da Polícia Rodoviária Federal. “Uma parada mais brusca, uma ultrapassagem inadequada e, na própria autuação, a assinatura já denunciava que havia algum tipo de irregularidade”, diz Rosemberg Alves de Medeiros, inspetor da Polícia Rodoviária Federal.

Durante nove meses, foram investigados donos de autoescolas, instrutores, despachantes e funcionários públicos. Os promotores descobriram que a pessoa conseguia a carteira mesmo fazendo barbeiragem na prova de direção. “Foi terrível. Eu saí com ela, ela subiu no canteiro central”, diz avaliador e instrutor.

Entre os investigados está Maria do Socorro Arruda, uma senhora de 67 anos. Ela foi flagrada em escutas telefônicas dizendo o preço da habilitação para um grupo de 30 analfabetos. “Manda os analfabetos pra mim que eu resolvo. É dois mil conto. 500 é meu. E o resto, a gente resolve”, responde uma mulher não identificada.
Maria do Socorro Arrúda

O analfabeto tem que aprender a pelo menos escrever o nome que irá na carteira. O policial, que fingiu não saber ler nem escrever, filmou Flávia Arruda, a dona da autoescola, dando as aulas. Nas imagens, ela ensina a escrever "Domingos".

Segundo as investigações, Flávia ainda tinha acesso às provas do psicotécnico com antecedência. “Tinha aqui três bicicletas desenhadas e aqui não tinha nenhuma. Aqui tinha um carro de mão, uma carroça, uma bicicleta. Bom, se tem três bicicletas, tá faltando... Outra bicicleta”, mostra ela.

Analfabeto ou não, ninguém precisava participar das aulas práticas e teóricas. Era só pôr a digital no aparelho que registra a presença e ir embora. Segundo a polícia, a venda de habilitações em Mossoró ficou tão conhecida que a cidade começou a receber uma espécie de turismo da fraude. Até moradores de outros estados vão comprar o documento.

“Isso era um comércio, uma feira escancarada, um esquema de corrupção, tendo como base a certeza da impunidade”, afirma Manoel Onofre Neto, procurador-geral de justiça do Rio Grande do Norte.

O feirão da habilitação funcionava no próprio Departamento de Trânsito, em Mossoró. De acordo com as investigações, Jader da Costa, o chefe do Detran, era um dos que recebiam propina para liberar a habilitação.

As investigações mostram que as habilitações chegavam a custar R$ 4 mil. O interessado na compra do documento tinha a opção de pagar a propina com peixe, camarão e lagosta. “Tem como arranjar uma lagostazinha, não, meu filho?”, pergunta Socorro, por telefone.

Geralmente, o dinheiro vivo da propina ia para autoescolas e despachantes. Já os funcionários públicos preferiam não levantar muita suspeita, segundo a reportagem. Entre os 11 presos está Flávia Arruda, a dona da autoescola onde o policial conseguiu tirar a carteira se passando por analfabeto. Socorro, que é mãe dela, também foi pra cadeia. As duas negam participação no esquema.

Outras três autoescolas estão proibidas de funcionar e as carteiras compradas serão canceladas. O chefe do Detran em Mossoró foi preso em casa. Na geladeira, a polícia encontrou camarão e lagosta. Jader da Costa, que se diz inocente, foi exonerado do cargo pelo governo do Estado.
Jader da Costa
Segundo o presidente do Grupo Nacional de Combate ao Crime Organizado, formado por promotores, há investigações de fraudes nos Detrans de quase todo o Brasil. “Quando se fala em Detran, sempre se tem alguma restrição em termos de corrupção ou de fraudes”, diz Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, procurador-geral de justiça da Paraíba.

O Ministério Público descobriu na Paraíba, ao cruzar as informações do Cadastro Eleitoral com as do Detran, que o estado tem 50 mil analfabetos que conseguiram tirar a habilitação. “Hoje, virou uma rotina a gente ter flagrantes de autoescolas repassando CNHs pelo correio”, conta Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, procurador-geral de justiça da Paraíba.

Morador de João Pessoa, João Batista da Silva, 37 anos, foi um dos analfabetos que compraram a carteira de motorista no estado. “O que você desse pra ele copiar, ele copiava igual. Mas ele não sabia ler”, conta Tereza da Silva Ferreira, prima de João. Seis meses depois de comprar a habilitação, João morreu num acidente de trânsito. “É um esquema que existe em diversos estados e o Ministério Público, as polícias, precisam coibir esse tipo de fraude, esse crime de corrupção, que põe em jogo a vida humana”, declara Manoel Onofre Neto, procurador-geral de justiça do Rio Grande do Norte

G1

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